CSM|SP: Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Inventário extrajudicial por companheira sobrevivente que é qualificada como único herdeira – União estável declarada em escritura pública – Recusa de registro fundada exclusivamente na condição de única herdeira da companheira, com base na regulação administrativa do ato, prevista no item 112, do Cap. XVI das NSCGJ, e art. 18, da Resolução CNJ 35/2007 – Regime sucessório dos companheiros igualado ao dos cônjuges, a partir da declaração de inconstitucionalidade material do art. 1.790, CC, com repercussão geral (RE 646.721/RS) – Impossibilidade de se dar tratamento distinto ao companheiro em relação ao cônjuge em matéria sucessória, incluindo-se aí regras limitativas do procedimento de inventário judicial ou extrajudicial – Ausência de norma legal a indicar a impossibilidade de inventário extrajudicial ao companheiro sobrevivente caso não existam herdeiros concorrentes, considerando o teor do art. 1.829, CC e do art. 610, § 1º, CPC, desde que comprovada a união estável por escritura pública ou por sentença declaratória anterior – Eficácia da escritura de união estável para comprovar a continuidade da união estável até sua extinção pela morte, cabendo a eventual interessado em demonstrar sua inexistência ou cessação a iniciativa de derrubar a presunção decorrente da declaração, por meio de ação judicial, em homenagem ao princípio da boa fé – Registro da declaração de união estável que só é necessário para se impor seus efeitos a terceiros, o que não ocorre quando a parte interessada adere aos efeitos da declaração dos companheiros – Declaração do inventariante sobre a inexistência de outros herdeiros que produz efeitos tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial, não havendo perquirição ativa de demais legitimados à sucessão ante a declaração limitada – Impossibilidade de se imobilizar a transmissão sucessória a aguardar manifestação de possíveis interessados em recolher a herança que, por presunção decorrente da declaração de união estável, é do companheiro sobrevivente – Recurso provido para determinar o registro do título.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº 0005393-17.2018.8.26.0634, da Comarca de Tremembé, em que é apelante PATRICIA SOUSA PEREIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TREMEMBÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Fernando Torres Garcia. Vencido o Des. Pinheiro Franco, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), vencedor, PINHEIRO FRANCO (CORREGEDOR GERAL), vencido, PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 24 de setembro de 2019

Desembargador FERNANDO TORRES GARCIA

RELATOR DESIGNADO

APELAÇÃO Nº 0005393-17.2018.8.26.0634 – DÚVIDA REGISTRAL

APELANTE: PATRÍCIA SOUSA PEREIRA

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TREMEMBÉ

VOTO Nº 32.893

Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Inventário extrajudicial por companheira sobrevivente que é qualificada como único herdeira – União estável declarada em escritura pública – Recusa de registro fundada exclusivamente na condição de única herdeira da companheira, com base na regulação administrativa do ato, prevista no item 112, do Cap. XVI das NSCGJ, e art. 18, da Resolução CNJ 35/2007 – Regime sucessório dos companheiros igualado ao dos cônjuges, a partir da declaração de inconstitucionalidade material do art. 1.790, CC, com repercussão geral (RE 646.721/RS) – Impossibilidade de se dar tratamento distinto ao companheiro em relação ao cônjuge em matéria sucessória, incluindo-se aí regras limitativas do procedimento de inventário judicial ou extrajudicial – Ausência de norma legal a indicar a impossibilidade de inventário extrajudicial ao companheiro sobrevivente caso não existam herdeiros concorrentes, considerando o teor do art. 1.829, CC e do art. 610, § 1º, CPC, desde que comprovada a união estável por escritura pública ou por sentença declaratória anterior – Eficácia da escritura de união estável para comprovar a continuidade da união estável até sua extinção pela morte, cabendo a eventual interessado em demonstrar sua inexistência ou cessação a iniciativa de derrubar a presunção decorrente da declaração, por meio de ação judicial, em homenagem ao princípio da boa fé – Registro da declaração de união estável que só é necessário para se impor seus efeitos a terceiros, o que não ocorre quando a parte interessada adere aos efeitos da declaração dos companheiros – Declaração do inventariante sobre a inexistência de outros herdeiros que produz efeitos tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial, não havendo perquirição ativa de demais legitimados à sucessão ante a declaração limitada – Impossibilidade de se imobilizar a transmissão sucessória a aguardar manifestação de possíveis interessados em recolher a herança que, por presunção decorrente da declaração de união estável, é do companheiro sobrevivente – Recurso provido para determinar o registro do título.

Trata-se de apelação interposta por PATRÍCIA SOUSA PEREIRA contra a r. sentença (fls. 36), devidamente declarada (fls. 43), que rejeitou procedimento de dúvida registral e manteve a recusa ao registro de escritura pública de inventário e adjudicação de bens que promoveu, referente aos bens deixados por sucessão causa mortis por Salete Abreu Dias e Miguel Amâncio Pereira, que viviam em união estável, sendo este último genitor da apelante.

A recusa se funda no descumprimento do item 112, do Cap. XIV, das NSCGJ e do art. 18, da Resolução nº 35/2007, do Conselho Nacional de Justiça, que impedem a lavratura de escritura pública de inventário e partilha extrajudicial quando o companheiro se declarar único herdeiro e não houver concordância por escrito ao ato pelos demais herdeiros.

Sustenta, em suma, a inaplicabilidade ao caso das normas restritivas, ante a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790, do Código Civil, e da existência de escritura pública declaratória de união estável (fls. 45/50).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 72/75).

É o relatório.

Conheço do recurso, eis que presentes seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Entendo seja o caso de provimento do recurso, firme no entendimento de que existe ampliação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790, do Código Civil, pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da repercussão geral no Recurso Extraordinário 646.721, também para regulações limitativas ao procedimento de inventário de bens em relação aos companheiros.

O presente procedimento de dúvida se estabeleceu em pedido de registro de escritura pública de inventário e adjudicação realizado por Patrícia Sousa Pereira, referente aos imóveis matriculados sob nºs 40.866 e 40.876, outrora no Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Taubaté, hoje sob a competência registrária do Oficial de Registro de Imóveis de Tremembé.

O título – Escritura Pública de Inventário e Adjudicação dos bens deixados em sucessão causa mortis de Salete Abreu Dias e Miguel Amâncio Pereira – foi devolvido pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tremembé, essencialmente pela não observância da vedação à escritura de inventário e partilha em casos de união estável em que o companheiro sobrevivente se apresente como único herdeiro, ausente a concordância dos demais herdeiros, nos termos do previsto no art. 18, da Resolução nº 35, CNJ e do item 112, do Cap. XIV, das NSCGJ.

Segundo consta dos autos, o pai da apelante, Miguel Amâncio Pereira, vivia em união estável com Salete Abreu Dias, conforme escritura pública declaratória de união estável lavrada pelo 2º Tabelião de Notas de Osasco, em 05.05.2005, na qual declaram união estável há quatorze (14) anos, sem qualquer informação nos autos de rompimento da união até o óbito da companheira. Ao contrário, conforme o documento de fls. 42, em 28/12/2011, Salete se declarou companheira de Miguel junto ao SABESPREV, indicando a continuidade da união estável anos depois da escritura declaratória.

O inventário extrajudicial diz respeito a duas sucessões.

A primeira, aberta por conta do falecimento de Salete Abreu Dias, em 07.01.2017, indicando-se como único sucessor o companheiro, Miguel Amâncio Pereira, adjudicando a totalidade dos bens por força da escritura de união estável lavrada em 05.05.2005, perante o 2º Tabelião de Osasco.

A segunda, aberta em virtude do falecimento de Miguel Amâncio Pereira, em 10.01.2018, constando como herdeiros os filhos Patrícia Sousa Pereira e Fernando de Sousa Pereira, únicos herdeiros, com renúncia deste último, sem deixar descendentes, recolhendo a apelante a integralidade da deixa sucessória.

A recusa se funda, exclusivamente, na vedação contida no art. 18, da Resolução nº 35, do CNJ, bem como no item 112, do Cap. XIV, das NSCGJ, impondo aos casos em que o companheiro se apresente como único herdeiro ou ausente a concordância dos demais herdeiros, o uso do inventário judicial.

Pois bem.

Tenho seja o caso de apreciar a questão da vedação contida no art. 18, da Resolução nº 35, do CNJ, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a inconstitucionalidade material da imposição, aos companheiros, de regime sucessório distinto daquele atribuído aos cônjuges, afastando do ordenamento jurídico o art. 1.790, do Código Civil.

Com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790, do Código Civil, pelo Supremo Tribunal Federal, observa-se a impossibilidade de tratamento sucessório distinto, em todos os aspectos, entre cônjuges e companheiros. Quer isto dizer que regras jurídicas, em seus diversos níveis de normatividade e fontes, não podem dar tratamento jurídico distinto ao companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge em similar situação.

Assim decidiu a Corte Suprema, em julgamento sujeito à repercussão geral (RE 646.721/RS):

“Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002” (STF – RE nº 646.721/RS Tribunal Pleno Rel. p/ Acórdão MIN. ROBERTO BARROSO – j. 10.05.2017).
As consequências da decisão, afastando do ordenamento jurídico o regramento diverso dado ao companheiro pelo art. 1.790, do Código Civil, vai além da simples regulação unificada do regime sucessório. Passa, a meu sentir, pela vedação de distinção do exercício de tais direitos para os companheiros, inclusive com regras distintas para fins de realização do inventário e partilha, quando haja prova suficiente da existência da união estável. Limitase, assim, eventual redução do direito à realização do inventário extrajudicial por companheiros sobreviventes a casos em que não haja prova pré-constituída da união estável ou nos casos de impedimento legal aplicável também ao cônjuge sobrevivente.

Impor ao companheiro sobrevivente regras para realização de inventário e partilha distintas do cônjuge, por força de norma infralegal de natureza administrativa, é desrespeitar o comando constitucional da igualdade, reconhecido como prevalente pelo Supremo Tribunal Federal na decisão indicada.

Por consequência, o companheiro tem tratamento idêntico em tudo ao cônjuge supérstite para fins sucessórios, embora se reconheça diferenças entre a união estável e o casamento.

Ou seja, embora possível se reconhecer diferenças entre o casamento e a união estável quanto a seu surgimento, sua prova e alguns efeitos limitados, não se pode reconhecer qualquer distinção ao companheiro em relação ao cônjuge para fins sucessórios. Para tais fins, deve o companheiro ser tratado como cônjuge, não havendo que se falar em outra concorrência sucessória senão com descendentes e ascendentes do autor da herança.

Até porque não se tem, na legislação atual e considerando a extirpação do art. 1.790, do Código Civil, regra procedimental a justificar o tratamento desigual. O art. 610, caput e seu § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, ao prever disposições gerais para o inventário e a partilha, não traçam qualquer distinção entre o cônjuge e o companheiro supérstite na escolha do procedimento extrajudicial para o ato. Assim dispõe o dispositivo legal:

“Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

(…).”
O dispositivo processual segue a previsão do direito material que não impõe qualquer outro requisito para a partilha extrajudicial de bens do que a inexistência de herdeiros incapazes e a existência de consenso entre os herdeiros que, em caso de adjudicação por herdeiro único, sequer será necessária (arts. 2.015 e 2.016, CC).

Não há, perceba-se, diferenciação alguma na legitimação para a escolha do procedimento extrajudicial entre cônjuge e companheiros sobreviventes, não se justificando constitucional e legalmente a distinção feita pela norma administrativa, salvo, como dito, as situações em que não haja prova documental pública anterior confirmando a união estável.

Consequentemente, o companheiro, agora, é tratado como cônjuge, razão pela qual herda sozinho na falta de descendentes e ascendentes vivos do autor da herança, independentemente da existência de irmãos ou outros colaterais (art. 1.829, III, do Código Civil) e, ausente concorrência – como ocorre no caso de declaração própria do cônjuge sobrevivente ao realizar inventário extrajudicial ou judicial, nas primeiras declarações (art. 620, III, CPC) – nada impede que realize o inventário na forma extrajudicial, desde que comprovada previamente a união estável por escritura pública ou sentença declaratória.

No caso concreto, tendo os companheiros optado pela formalização da relação de convivência em regime de união estável por escritura pública, declarando de comum acordo seu termo inicial, era de se presumir a permanência do vínculo à época da abertura da sucessão, havendo que buscar eventual interessado no reconhecimento da inexistência ou cessão de tal vínculo o afastamento de tal presunção pela via judicial. Não o contrário, sob pena de se esvaziar o efeito jurídico pretendido e necessário ao documento público escrito de união estável, atribuindo ao companheiro supérstite situação jurídica sensivelmente inferior àquela atribuída ao cônjuge.

No mais, há de se considerar que o registro da escritura na união estável no Registro Civil (livro E), de Registro de Títulos e Documentos ou de Imóveis, é requisito de eficácia para a oponibilidade da união estável a terceiros, o que não se configura em caso de aceitação voluntária do documento como prova da união, como neste caso. Ou seja, se não se quer opor (impor) os efeitos a terceiros, mas sim estes aceitam os efeitos da declaração, de forma voluntária, não se há de exigir o registro público para sua eficácia.

Até porque, em se instaurando inventário judicial, caberia ao próprio companheiro supérstite declarar ao Juízo, nos termos do art. 620, III, do Código de Processo Civil, a existência e qualidade dos herdeiros legitimados, em nada se alterando a situação de tal declaração negativa ocorrer perante o notário, cabendo a eventual preterido, por interesse próprio e sem qualquer chamado judicial genérico por meio de edital, promover a busca de seus interesses, conforme dispõe o art. 628, do Código de Processo Civil.

E sobre tal aspecto, considerando o interesse patrimonial e disponível decorrente da legitimação sucessória, de se considerar a ausência de qualquer reivindicação de herdeiros concorrentes com o companheiro então sobrevivente, passados anos desde a abertura da sucessão de Salete, como sinal de veracidade da afirmação de ausência de outros sucessores. A ausência de abertura de inventário, com a reivindicação da condição de co-herdeiro por qualquer parente na linha reta, não pode militar em desfavor da presunção decorrente da união estável declarada e aparentemente mantida até a abertura da sucessão, prevalecendo a declaração da herdeira adjudicante no sentido da inexistência de quaisquer outros herdeiros com título preferencial ou concorrente em relação ao companheiro por ela representado.

Conforme já decidido por este C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 1003886-73.2018.8.26.0223, em voto da lavra do E. Presidente do Tribunal de Justiça, DES. PEREIRA CALÇAS:

“Entendimento em sentido contrário, com a devida vênia, inverte a lógica da presunção de boa-fé que milita em favor do companheiro supérstite na espécie, tanto quanto a de que o ônus da reivindicação da herança pesa sobre o sedizente herdeiro tido por injustamente excluído da sucessão” (grifei).
Assim, a dúvida deve ser julgada improcedente, procedendo-se ao registro da escritura pública de inventário e partilha de bens nas matrículas nºs 40.866 e 40.876, no Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Taubaté, atualmente sob a competência do Oficial de Registro de Imóveis de Tremembé.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de afastar a dúvida e determinar o registro do título.

FERNANDO TORRES GARCIA

Presidente da Seção de Direito Criminal

Relator Designado

Apelação Cível nº 0005393-17.2018.8.26.0634

Comarca: Tremembé

Apelante: Patricia Sousa Pereira

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tremembé

Voto nº 37.937

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

Cuida-se de recurso de apelação interposto por PATRÍCIA SOUSA PEREIRA contra r. sentença de fl. 36, que manteve recusa ao registro de escritura de inventário e adjudicação, levantada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tremembé.

Afirma ser cabível o registro, uma vez que a união estável se encontra firmada em escritura pública e que a exigência adotou entendimento do item 112 do Cap. XIV das NSCGJ e o art. 18 da resolução nº 35 do CNJ, que diferencia a sucessão entre cônjuge e companheiros.

Ocorre que, segundo afirma, trata-se de entendimento ultrapassado e que não deve ser adotado, tendo em vista já haver reconhecida a união estável em outro ato e a inconstitucionalidade na diferenciação de sucessão entre cônjuge e companheiros, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, no julgamento dos Recursos Extraordinários n°s 646.721 e 878.694.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 72/75).

É o relatório.

Pelo meu voto, com todo respeito à compreensão da Douta maioria, não caberia, na hipótese, acesso do título ao registro imobiliário.

Conforme consta, houve negativa de registro de escritura de inventário e adjudicação, lavrada às fls. 243/249, do Livro 2.424 do 27° Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo, na qual os imóveis matriculados sob nºs 40.866 e 40.876 foram adjudicados à Patrícia Sousa Pereira, ora recorrente, ante o falecimento de seu genitor e da companheira dele.

Trata-se, assim, de instrumento em que existem duas sucessões: a) a primeira, relativa ao falecimento de Salete Abreu Dias; b) a segunda, relativa ao falecimento de Miguel Amancio Pereira, que seria companheiro de Salete.

Consta da escritura que a primeira falecida, Salete Abreu Dias, não deixou filhos, tampouco ascendentes vivos, restando como único herdeiro, pois, seu companheiro, Miguel Amancio.

Embora afirme a recorrente estar reconhecido o vínculo desde 05/05/2005, não se afigura possível o ingresso da escritura, uma vez que o pai da recorrente era único herdeiro declarado de Salete Abreu Dias.

Consoante dispõe o Item 112 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

112. O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.
No mesmo sentido, o art. 18 da Resolução n° 35/2007, do Col. Conselho Nacional de Justiça:

Art. 18. O(A) companheiro(a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.
E tal precaução se justifica também pelo disposto no art. 1.790 do Código Civil, tendo em vista que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições lá estipuladas.

Vale lembrar que, nesta seara estritamente administrativa, não há espaço para que se reconheça a inconstitucionalidade de atos normativos do Col. CNJ.

Assim, não havendo consenso entre todos os herdeiros, ou na falta de outros sucessores (como é o caso), a via extrajudicial resta prejudicada, havendo necessidade de declaração judicial desse relacionamento.

Por todo o exposto, pelo meu voto, negaria provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

(DJe de 09.03.2020 – SP)

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